terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Ruína


Há muito tempo que as portas se fecharam ….
mas por detrás das vidraças continuam as cortinas dependuradas no tempo
……pode sempre entrar uma réstia de luz!
Lá dentro a mesa está arrumada com as cadeiras no devido lugar. Espera que lhe caia a toalha e os pratos em cima. Sente os pontapés da criançada nas suas pernas, nos momentos em que se sentia cheia, sem espaço ao seu redor.
Afinal não foi o prato que lhe caiu em cima. Foi a primeira das muitas telhas que aos poucos se desprendem do telhado.
A ruína anunciada. A chave nunca mais deu a volta à fechadura.
A seguir ao telhado cai o estoque. A parede desmorona e a cadeira não será mais que pedaços de tábuas no chão…..
das muitas horas que foi aconchego.
BF

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

As flores também choram


E falavas na orvalhada que fica nas flores numa manhã fria e solarenga. Se as pétalas choram? não sei. Mas sei que o mar do olhar também transborda como qualquer maré cheia, de sentir. Depois, um poeta do nosso tempo diz que "as lágrimas são o mel dos olhos" e eu acrescento que será para quem o não souber colher. Talvez com um beijo. Será que as flores choram?

BF

domingo, 19 de abril de 2015

Janelas de Lisboa


Lisboa é mulher vaidosa que abraça o Tejo, apregoa pela ruas e chora um fado numa qualquer taberna escura....
... e quando o sol cobre de prata as águas em que chora as mágoas, despe o traje noite e cobre-se de luz.... Lisboa resplandece!
BF





segunda-feira, 30 de março de 2015

Uma noite ao fundo



Noite,
obscura viagem
lágrimas, gritos, pedaços  de nós perdidos
na noite , nos momentos que somos almas viajantes em corpos desencontrados
No fundo....
Consegues  encontrar-me?
estou aqui....
perdida
uma noite ao fundo
e a vida só pode estar no amanhecer
e eu não te vejo na luz pois ao meu redor só há mesmo escuridão,
sombras e pedaços de vida
Estica a mão! Toca....toca-me!
sentes? sou mais noite
pedaço de breu....
e tu? não me consegues encontrar...ao fundo
uma noite!
BF


Foto e palavras de minha autoria

domingo, 29 de março de 2015

Herberto Helder - Sobre o Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

— Embaixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Helder

Foto de minha autoria

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Brilha no olhar os tempos passados


Brilha-lhe o olhar no recordar os tempos passados
E fala do revolver a terra e as gentes
Aquelas que foram saltando as fronteiras
Num tempo longínquo em memórias de fome…
As que ficaram  por lá para nunca mais regressar,
cobertas por uma terra que as não viu nascer.
Conhece as rochas e os pinheiros
 linhas invisíveis que dividem o pedaço de terra que ama…
cavar, alisar , ancinhar, mondar …. Terra fecundada pelo suor do seu esforço
depois germinam “e havias de ver que bonitas estão as favas! Já têm uns rebentinhos. E a figueira que plantei ao cimo da vinha! já o ano passado deu a prova com três figuitos!”
Depois são as  gentes, as memórias vivas que guarda como se um livro de registos desejoso de ser aberto.
“Então não conhecias? Não te lembras? Era filho de fulano que casou com a “garotita” do que mora lá em  baixo…..”
Assim contínua, num desenrolar de histórias e memórias que carrega consigo e partilha com quem o sabe ouvir.  
Gostava tanto de ter tempo para te ouvir e registar em livro para que nunca se acabem essas memórias.

BF