domingo, 6 de julho de 2014

A pasteleira



"Paulo dobrou o casaco, pô-lo no porta-bagagens e pegou na bicicleta. Baixo, desasado, uma repa de cabelos brancos aparecendo sob a boina à espanhola, os óculos de tartaruga descaídos, a queimadura na cara, a mão entrapada, parecia um pobre diabo incapaz de fazer qualquer coisa de sério.

- Tu sabes andar de bicicleta? - perguntou Ramos subitamente na sua voz alegre, divertido com a figura do camarada, mas sentindo-se entretanto sem saber porquê um tanto comovido.
Paulo levou a bicicleta até ao carreiro. Aí pôs um pé no pedal, deu um, dois, três. quatro galões com o outro pé (- Ele sabe! Ele sabe! - gritou Ramos gargalhando) e ei-lo sentado no selim. A bicicleta deslizou carreiro abaixo, encurvou perigosamente à direita, depois à esquerda (- Ele cai! Ele cai! - exclamou Ramos pondo-se de pé) e novamente se endireitou. A bicicleta voltou ao meio do carreiro e, agora serena e silenciosa, levando o vulto de Paulo com a cabeça tão encolhida entre os ombros que apenas se via a boina à espanhola, foi-se afastando até desaparecer com o próprio caminho."

Manuel Tiago / Álvaro Cunhal