segunda-feira, 30 de março de 2015

Uma noite ao fundo



Noite,
obscura viagem
lágrimas, gritos, pedaços  de nós perdidos
na noite , nos momentos que somos almas viajantes em corpos desencontrados
No fundo....
Consegues  encontrar-me?
estou aqui....
perdida
uma noite ao fundo
e a vida só pode estar no amanhecer
e eu não te vejo na luz pois ao meu redor só há mesmo escuridão,
sombras e pedaços de vida
Estica a mão! Toca....toca-me!
sentes? sou mais noite
pedaço de breu....
e tu? não me consegues encontrar...ao fundo
uma noite!
BF


Foto e palavras de minha autoria

domingo, 29 de março de 2015

Herberto Helder - Sobre o Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

— Embaixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Helder

Foto de minha autoria