quarta-feira, 12 de abril de 2017

Segue o teu destino,






Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Ricardo Reis

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Campânulas



Campânulas
Guarda num recanto de ti as flores que encontraste entre as rochas
Para mim
Lugares secretos de secretos olhares
Que a amizade pode ser o símbolo dessa flor amarela
Campânula de sons mudos
Para quem não sabe entender os silêncios de carinhos distantes,
São sempre áridos os solos dos afectos!
E o solo sobre o qual germinamos a nossa amizade vai florindo em cada amanhecer
Devagar
Ano após ano
Nas distâncias presentes
Nos Silêncios e nas palavras
No seu tempo
Nas campânulas amarelas
E eu gosto de flores amarelas
Guarda-as para mim em ti!
BF

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Prisioneiro


O PRISIONEIRO

Eu cerrei brandamente a janela sobre a noite quieta
E fiquei sozinho e parado, longe de tudo.
Nenhuma percepção — talvez uma leve sensação de frio no vento
E uma vaga visão de objetos boiando no vácuo dos olhos.
Nenhum movimento — distâncias infinitas em todas as coisas
No lençol branco que era outrora o grande esquecimento
No poeta que ontem era o refúgio e a lágrima
E no misericordioso olhar de luz que sempre fora o supremo apelo.
Nenhum caminho — nem a possibilidade de um gesto desalentado
Na angústia de não ferir o desespero do espaço imóvel.

Passariam as horas e nas horas o auge de cada instante de sofrimento
Passariam as horas até a hora de voltar para o amor das almas
E seguir com elas até a próxima noite.
Nenhum movimento — é preciso não despertar o sono dos que velam em espírito
É preciso esquecer que há poesia a ser colhida nas longas estradas.
Nenhum pensamento — a mobilidade será o horror de todas as noites
É preciso ser feliz na imobilidade.

Vinicius de Moraes, 1935

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Ninguém



Quem és tu? 
- Ninguém.
E Ninguém percorre a cidade, acende o cigarro e lê o Jornal que Alguém por desleixo deixou num banco da cidade. Ninguém sente o sol na pele, quer seja verão ou inverno, na mesma soleira da porta que nunca para si se abre. Mas às vezes aquela porta abre-se e veste-se de festa. Passa Alguém atrás de Alguém engalano de olhar altivo que não vê Ninguém. Este foi por horas escorraçado para a soleira da porta ao lado. Alguém não viu Ninguém, mas Ninguém viu e vê tudo o que lhe passa da cidade em si. Os cheiros, as gentes e a liberdade de escolher a soleira da porta onde apanha sol. 
E tu quem és? 
Alguém?!
BF



terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Mãe


Todos os dias são de ausência. Sentida. As memórias das pedras da casa e o aconchego da lareira. Revolvias a sopa dentro da panela de ferro com a colher de pau que também servia para castigar. O olhar triste pela batalha diária de por comida na mesa mas, também, o sorriso. Lembro-me sempre do teu sorriso. Muitas das vezes um tanto matreiro. Olhavas-me e sorrias com os olhos e um leve gesto de lábios sem precisares de falar pois eu percebia do que tu sorrias. Quando a tua neta nasceu disseste umas palavras sábias " se passares com ela um terço do que passei contigo já estás bem arranjada". Passaste muito comigo. Desculpa. Era rebelde, refilona nos meus impulsos de criança. Na verdade só uma mãe que ama consegue passar pelo que tu passaste. Somos sete e estamos todos cá. Cada um com as suas lembranças e momentos vividos mas todos nós sentimos o teu amor, diferente pelo tempo e pelas circunstâncias, mas amor! Hoje é só mais um dia de ausência igual a todos os outros que passam sem ti. A diferença está só na data do calendário que assinala a tua partida.
 Estás sempre presente nas memórias.
BF

Foto de minha autoria

domingo, 1 de janeiro de 2017

2017



Porque cada dia é uma passagem, e a festa deveria ser feita interiormente por cada um de nós, e não só exteriorizar para que os outros vejam o que na maior parte das vezes não sentimos.
Procurem, renovem, arrisquem!
Façam a mudança acontecer sem calendário ou hora marcada. 
A vida acontece mesmo sem relógio no pulso! 
BF



Foto de minha autoria